segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Marcas do Destino

Não devia ter cedido aos caprichos de sua mãe e ido acompanhá-la  à missa. O sermão do padre Romeu ecoava nos pensamentos de Rogério. “Não matarás”. “Não cobiçarás a mulher do próximo...”. Estas palavras tinham para Rogério um sabor diferente naquela tarde de verão.  Por que resolvera voltar para aquela pacata e pequena cidade de Herval? Devia ter escutado os conselhos de sua progenitora e permanecido em Porto Alegre, mas não. Sempre quisera retornar, como se sua alma estive presa ao seu destino. E qual seria?  Já não tinha mais certeza de nada. O medo tomava conta de seu ser, de suas entranhas. Uma brisa suave, fruto da chuva que há poucos minutos caíra, fez-lhe arrepiar-se. Devo ir ao encontro de Adolfo? Ou devo fingir que não recebi seu bilhete requisitando minha presença em sua casa? Se optar pela primeira, como diz minha mãe “Darei pano pra manga”; mas por outro lado se resolver comparecer, poderia ter uma bela surpresa, afinal de contas sempre fomos amigos. Porém algo lhe dizia que esta visita não seria como as outras. Por fora se envolver com ela? Por que permitira que seus instintos lhe governassem e lhe tirassem o chão? Quanto mais caminhava, mas suas lembranças lhe perseguiam como flechas.
Há seis meses decidira que era melhor voltar paras casa. Casa, sentia falta de comida caseira, dos afagos da mãe, agora idosa, das conversas com os amigos no entorno da praça, das visitas aos parentes. Tudo isto tinha um sabor especial e já estava farto da vida na capital. Lá tudo era efêmero e sem sentido. Amizades? Não as tinha. Alguns poucos colegas de trabalho com quem pudesse contar. Tinha feito as vontades da mãe e cursado Direito, podia dizer que era um advogado brilhante, mas sua vida não estava completa. Algo lhe faltava. Queria uma vida simples, uma família, quem sabe filhos. Após longa reflexão resolvera mudar seu estilo de vida e juntara seus pertences, partindo em direção de sua terra natal para recomeçar.
No dia de sua chegada, a mãe lhe fizera uma surpresa reunindo seus antigos colegas de escola. D. Marta estava certa de que aquele seria um dia especial, pois já fazia oito anos que não punha os pés naquele rincão. A casa estava em festa, doces variados, tortas dos mais diferentes tipos, flores enfeitando os vasos, afinal estava chegando a primavera. Rogério estacionou seu carro de luxo em frente à casa materna e estranhou a quietude do lugar. Outrora esta tinha sido uma casa muito alegre, onde os amigos eram sempre bem vindos a qualquer momento. Transpôs o portão do jardim, tendo aquela sensação de estar em casa novamente. A porta da frente se abriu, dando passagem a uma senhora de cabelos brancos e olhar doce. O abraço foi longo e apertado, como se a saudade pudesse deixar de existir. No interior da casa havia vários parentes e amigos a espera dos cumprimentos e de saber as novas da capital. Entre os presentes havia um casal que lhe chamou a atenção. Carlos fora seu melhor amigo na adolescência, com ele dividira seus anseios, seus medos e as aventuras. Lá estava ele, com ar sério, havia crescido e amadurecido. Tornara-se professor, conforme desejo de seus pais. Ao seu lado uma linda moça, de cabelos dourados, sorriso franco que exibiam uma fileira de dentes perfeitos. Era graciosa, sem ser vulgar. Tinha lindos olhos verdes, tão profundos que o fizeram lembrar de Capitu.
Ao cumprimentá-la parecia que o tempo havia parado e só existissem os dois naquela sala. Foi desperto pelo som da voz do amigo ao apresentar-lhe: “ Esta é a minha esposa Francesca.” Como que saído de um sonho, forçou um sorriso e estendeu a mão para  efetivar as apresentações.  Durante todo o tempo em que a casa esteve repleta de parentes e amigos, Rogério teve dificuldades de concentrar-se nas conversas, pois seus olhos teimavam em buscar o aconchego de um outro olhar. Sabia que não tinha o direito de admirar, pensar e muito menos cobiçar a mulher de seu melhor amigo, mas como que movido por uma força estranha, percebia-se escravo daquele sorriso, daquele perfuma de flores do campo.
Os dias se passaram e Carlos exigiu a presença de Rogério em sua casa para um jantar. Este foi o início de uma convivência que se seguiria em passeios, jantares, almoços. A cada novo encontro, Rogério envolvia-se mais e mais pelos encantos de Francesca, que correspondia também aos seus desejos. Marcaram um encontro na casa de uma outra amiga em comum e dali passaram a se ver com frequência, aumentando a angústia em Rogério pela traição ao seu grande amigo.  Como podiam resolver esta questão , sem que alguém saísse ferido?
Dolores, amiga de Francesca, era uma cigana que há muito havia se desgarrado de seu bando, propôs-se a jogar cartas para ela, com a finalidade de buscar uma solução para o triângulo amoroso. Após longos minutos, observando o baralho, garantiu-lhe que Carlos nada faria contra os dois amantes e que eles poderiam viver em paz.
Francesca,aliviada com as palavras sábias de sua amiga, contou a Rogério o que as cartas haviam mostrado, dizendo-lhe que não ficasse com medo, pois o futuro para eles era promissor.
Assim como Madame Bovary, Francesca deixou-se convencer pelas palavras de sua fiel amiga, não percebendo que seus olhos de cigana traduziam inveja e ambição. Dolores dera “corda para os amantes se enforcarem”, como diz o velho ditado popular. Tinha em mente armar contra Francesca uma cilada para que seu adorado Carlos pudesse ser seu um dia, mas para isso precisava eliminar sua doce esposa. Não aguentava mais fingir uma amizade que estava longe de sentir por aquela dissimulada da Francesca, mas tinha que ter cuidado ao arquitetar seu plano de vingança.  Começou a enviar a Carlos cartas anônimas onde deixava transparecer que sua adorada esposa estava lhe sendo infiel. Aconselhava-o a vigiar os passeios dela e de seu melhor amigo, Rogério.
O verão havia chegado em toda a sua plenitude, Carlos martirizava-se pela dúvida. Não queria acreditar nas cartas que recebera, mas como deixar de perceber as atitudes frias de sua amada. Há muito ela deixara de procurá-lo e seu olhos não sorriam mais ao vê-lo chegar da escola. Embora ela não descuidasse dos afazeres domésticos, percebia que ela não estava feliz em sua companhia, mas como iria viver sem ela? Como seriam seus dias e noites sem o calor de seu corpo? Prefiria a morte. Morte? Este pensamento vinha-lhe assombrando com muita frequência. Não podia desconfiar de Rogério. Ele era o seu melhor amigo, não era? A simples possibilidade de ver os dois juntos, embrulhava-lhe o estômago. Não, precisava descobrir a verdade, nem que para isso fosse preciso lavar sua honra com sangue.
Chamou Rogério para uma conversa. Se ele fosse culpado como sugeriam as cartas, ele pagaria com a vida. Francesca , adiantou-se e mandou um recado para Dolores, dizendo que estava apavorada, pois Carlos devia ter descoberto tudo. Pediu-lhe que viesse a sua casa no mesmo horário, pois tinha medo do que ele pudesse fazer.
Na hora marcada,lá estavam todos. Carlos, enfurecido, exigia explicações , apontando uma arma. Francesca chorava a um canto, implorando que Carlos tivesse piedade. Rogério, alvo principal da arma, justificava-se dizendo que amava Francesca e que nunca tivera intenção de feri-lo. Dolores assistia a tua com um sorriso de satisfação nos lábios . Nisto, alguém  bate `a porta distraindo a atenção de Carlos. Rogério lançasse-se sobre ele para tentar tirar-lhe o revólver. Este dispara. O silêncio que se segue é mortal. O tiro que parte da arma acerta o peito de Dolores que cai ao chão, balbuciando as seguintes palavras: Carlos, eu te amo!

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